A crise do século

21.01.2010 17:26

 

A Crise do Século

 

Por IGNACIO RAMONET

 

Tradução Héctor Zamarripa

 

Os terremotos que sacudiram as Bolsas durante o passado “Setembro Negro” precipitaram o fim de uma era do capitalismo. A arquitetura financeira internacional ficou na corda bamba. E o risco do sistema permanece. Nada voltará a ser como antes. Volta ao Estado. 

A queda de Wall Street é comparável, no âmbito financeiro, ao que representou no setor geopolítico, a queda do muro de Berlim. Uma mudança de mundo e um giro copernicano. Quem afirma é Paul Samuelson, Premio Nobel de Economia: "Este desastre é para o capitalismo o que a queda da URSS foi para o comunismo". Acaba assim o  período aberto em 1981 com a fórmula de Ronald Reagan: "O Estado não é a solução, é o problema". Durante trinta anos, os fundamentalistas do mercado repetiram que este sempre tinha razão, que a globalização era sinônimo de felicidade, e que o capitalismo financeiro edificava o  paraíso terrenal para todos. Erraram. 

A "idade de ouro" de Wall Street acabou. E também uma etapa de exuberância e descontrole representado por uma aristocracia de banqueiros de investimento, "amos do universo" denunciados por Tom Wolfe na Fogueira das Vaidades (1987). Possuídos por uma lógica de rentabilidade em curto prazo. Pela busca de benefícios exorbitantes. Dispostos a tudo para obter lucros: vendas em curto prazo abusivas, manipulações, invenção de instrumentos opacos, entrega de títulos ativos, contratos de cobertura de riscos, hedge funds... A febre do proveito fácil contagiou todo o planeta. Os mercados se hiper-esquentaram, alimentados por um excesso de financiamento que facilitou a subida de preços. 

A globalização conduziu à economia mundial a tomar a forma de uma economia de papel, virtual, imaterial. A esfera financeira chegou a mais de 250 trilhões de euros, ou seja seis vezes o montante da riqueza real mundial. E assim de repente, essa gigantesca "bolha" estorou. 

O desastre é de dimensões apocalípticas. Mais de 200 bilhões de euros desapareceram. A banca de investimentos foi apagada do mapa. As cinco maiores entidades desmoronaram-se: Lehman Brothers em bancarrota; Bear Stearns comprado, com a ajuda da Reserva Federal (Fed), por Morgan Chase; Merril Lynch adquirido por Bank of America; e os dois últimos, Goldman Sachs y Morgan Stanley (em parte comprado pelo japonês Mitsubishi UFJ), reconvertidos em simples bancos comerciais.

Toda a corrente de funcionamento da máquina financeira colapsou. Não só a banca de investimento, se não os bancos centrais, os sistemas de regulamentação, os bancos comerciais, as caixas econômicas, as companhias de seguros, as agencias de qualificação de riscos (Standard&Poors, Moody's, Fitch) e até as auditoras contáveis (Deloitte, Ernst&Young, PwC).

 O naufrágio não pode surpreender a ninguém. O escândalo das "hipotecas lixo" (subprime) era sabido de todos. Igual que o excesso de liquidez orientado à especulação, e a explosão delirante dos preços da vivenda. Tudo isto tem sido denunciado –nestas colunas- faz muito tempo. Sem que ninguém sentisse alguma diferença. Porque o crime beneficiava a muitos. E se continuou afirmando que a empresa privada e o mercado arrumavam tudo.

 A Administração do Presidente George W. Bush tem renegado esse principio e apelar, massivamente, à intervenção do  Estado. As principais entidades de crédito imobiliário, Fannie Mae e Freddie Mac, foram nacionalizadas. Também foi nacionalizado o American International Group (AIG), a maior companhia de seguros do mundo. E o Secretário do Tesouro, Henry Paulson (ex presidente da banca Goldman Sachs...) propôs um plano de resgate às ações "tóxicas" procedentes das "hipotecas lixo" por um valor de uns 500 bilhões de euros, que também será pago pelo Estado, ou seja os contribuintes. 

Prova do fracasso do sistema, estas intervenções do Estado -as maiores, em volume, da história econômica- mostram que os mercados não são capazes de se regular por si mesmos. Se autodestruíram pela sua própria  voracidade. Alem disso, se confirma uma lei do cinismo neoliberal: privatizam-se os benefícios porem se socializam as perdas. Faz-se com que os pobres paguem as excentricidades irracionais dos banqueiros, e são ameaçados, caso se negarem a pagar, com fazê-los ficar mais pobres ainda mais. 

As autoridades norte-americanas imploram o resgate dos  banksters ("banqueiro gangster") a expensas dos cidadãos Faz uns meses, o presidente Bush se negou a assinar uma lei que ofrecia uma cobertura médica a nove milhões de crianças pobres a um custo de 4.000 milhões de euros. O  considerou um gasto inútil. Agora, para salvar os vilões de  Wall Street nada parece-lhe suficiente. Socialismo para os ricos, e capitalismo selvagem para os pobres. 

Este desastre acontece num momento de vácuo teórico das esquerdas locais. As quais não têm "plano B" para tirar proveito do descalabro. Em particular as da Europa, muito apertadas pelo embate da crise. Quando seria tempo de refundação e audácia.

Quanto durará a crise? "Vinte anos se tiver sorte, ou menos de dez se as autoridades agem com mão firme e certa, vaticina o editorialista neoliberal Martin Wolf (1). Se existisse uma lógica política, este contexto deveria favorecer a eleição do demócrata Barack Obama (se não for assassinado) à presidência dos Estados Unidos o 4 de novembro próximo. É provável que, como Franklin D. Roosevelt em 1930, o jovem Presidente lance um novo  "New Deal" baseado num neokeynesianismo que confirmará o retorno do Estado na esfera econômica. E aportará por fim maior justiça social aos cidadãos. Se irá para um novo  Bretton Woods. A etapa mais selvagem e irracional da  globalização neoliberal já terá terminado.

 

 

Notas:

(1) Financial Times , Londres, 23 de setembro de 2008.